setembro 21, 2003

Um fim de semana atípico. Depois de muito tempo, um fato exterior ao meu mundo me afetou fisicamente. Passei mal ontem à noite. Vou relatar aqui no blog a causa. Acredito que sempre ajuda.

Eu estava no meu plantão da Casa de Cultura. Cheguei um pouco cedo, como de costume. E logo me deparei com uma situação de emergência. Minha colega, a Rô, procurava auxiliar uma moça (que aparentava pouco mais de 30 anos). Como não entendia uma palavra de inglês, as duas estavam sendo intermediadas por um rapaz mineiro, que estava na CCMQ para assistir uma sessão de cinema. Foi no meio deste caos que eu cheguei.

Acabei assumindo toda a responsabilidade do caso (por saber inglês e por estar de plantão no Setor de Turismo - aquele que auxilia estrangeiros e visitantes). E uma história muito estranha começou a se esboçar na minha frente. O nome da moça é Zanele Anne. Ela tem 34 anos, é natural da Zâmbia, mas mora atualmente em Londres. Havia chegado em Porto Alegre na sexta-feira. E o motivo pelo qual ela estava insistentemente dizendo 'Help! Help! Help!" para todos na Casa de Cultura é o seguinte: ela está sem dinheiro, não tem onde ficar e está com fome.

Confesso que me assustei. Perguntei se o caso tinha solução. Zanele respondeu que sim. A família havia enviado dinheiro e ela precisava ir ao banco com urgência. "Impossível. Os bancos não abrem no sábado. Além disso, hoje é feriado aqui". Ela fez uma expressão de quase desespero. O que se seguiu foi uma via crucis.

Liguei para a Porto Alegre Turismo, serviço da Prefeitura de Porto Alegre no aeroporto. O atendente Pedro me forneceu várias dicas e preciosos telefones. Liguei para o Banco do Brasil e descobri, para alívio dela e meu, que o dinheiro já estava disponível. Ela poderá pegá-lo na segunda-feira. "Onde ela vai dormir as duas próximas noites?". Perguntei se tinha algum dinheiro. "Yes. Three real". Então liguei para dois consulados (Grã-Bretanha e Gâmbia) e nenhum deles atendeu. Seguindo a dica do Pedro, fui procurar alguns pensionatos. Achamos melhor entrar em negociação direta com hotéis.

Encontramos um folder do Hotel Elevado (na Farrapos, próximo do viaduto da Conceição). O estabelecimento possuía quartos com diárias de R$ 16,00. Liguei para lá. Eles me explicaram que não teriam como aceitar a hóspede somente com a garantia de que ela pagaria as despesas na segunda-feira quando recebesse o dinheiro. Sem ter alternativas, me ofereci como garantia. O gerente Nedi topou. Informei meus contatos e telefones e disse que se ocorresse algum problema, pagaria a conta.

Saí da CCMQ acompanhada da Zanele e a conduzi no meu carro até o hotel. Chegando lá, fizemos todas as tratativas, deixei algum dinheiro para que ela pudesse almoçar e voltei para o meu plantão. Agora posso confessar: não consegui mais trabalhar. Estava com uma dor de cabeça do tamanho do mundo. Passei o resto do dia e da noite sentindo uma angústia no meu peito. Fiquei com a sensação de ter feito a coisa certa. Mas nunca sabemos, né?

Pensei que só teria notícias da Zanele amanhã. Me enganei. Durante a tarde de hoje, um senhor chamado Clóvis ligou procurando por mim. Foi atendido pela minha mãe, pois eu e o Elinho estávamos no aniversário do Marcelo. O Clóvis, que pertencia a alguma igreja do centro da cidade, não estava entendendo o que a Zanele dizia e ela mostrou o meu cartão. Segundo ele, ela estava nervosa e pedia um contato comigo. Quando fiquei sabendo disso me apavorei. Às 19h, liguei para o Elevado. O pessoal do hotel estava preocupado com as andanças da Zanele e me pediram que falasse com ela sobre os perigos da região. Foi o que fiz. Disse que ela deveria se acalmar, que eu já tinha feito o que podia. Ela, então, me pediu dinheiro¨para sair do hotel e pagar a diária que devia. Aconselhei que esta não era a melhor solução. Não conseguiria hotel mais barato e dormir na rua poderia ser muito perigoso.

Ela agradeceu a ajuda. Disse que irá ao banco amanhã e pagará a conta no hotel. Mas não me disse o que fará depois. Com certeza, mesmo com o dinheiro depositado no banco, não terá condições de voltar para a Inglaterra. Ou para a Zâmbia. Tentei contatar com a Delegacia de Estrangeiros, mas eles funcionam somente em horário comercial. Acho que a Zanele está precisando de ajuda. E, mesmo fazendo tudo o que estava ao meu alcance, não consegui ajudar em tudo o que ela queria.

E a pergunta que ela não respondeu fica martelando na minha cabeça: o que ela está fazendo no Brasil? Sem dinheiro? Sem trabalho? Com uma mochila enorme nas costas?

Eu não sei. Se alguém tiver algum conselho ou dica, me envie. Por favor.

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