setembro 21, 2008

Certa vez, Carlo Marx e eu nos sentamos frente a frente em duas cadeiras, joelho contra joelho, e eu lhe contei um sonho que tivera, com uma estranha figura árabe que me perseguia através do deserto, uma figura da qual eu tentava escapar mas que finalmente me alcançava pouco antes de chegar à Cidade Protetora. “Quem era?”, perguntou Carlo. Refletimos. Sugeri que talvez fosse eu mesmo vestindo um manto. Não era isso. Algo, alguém, algum espírito nos perseguia, a todos nós, através do deserto da vida, e estava determinado a nos apanhar antes que alcançássemos o paraíso. Naturalmente, agora que reflito sobre isso, trata-se apenas da morte: a morte vai nos surpreender antes do paraíso. A única coisa pela qual ansiamos em nossos dias de vida, e que nos faz gemer e suspirar e nos submetermos a todos os tipos de náuseas singelas, é a lembrança de uma alegria perdida que provavelmente foi experimentada no útero e que somente poderá ser reproduzida (apesar de odiarmos admitir isso) na morte. Mas quem quer morrer? No desenrolar dos acontecimentos eu continuava pensando naquilo no fundo da minha mente. Contei tudo a Dean e ele, instantaneamente, reconheceu nisso um puro e simples desejo de morte, e já que a vida é uma só, ele, muito acertadamente, não queria se deter nesse tema; e acabei concordando com ele.

On the road – Pé na estrada, de Jack Kerouac

2 comentários:

Anônimo disse...

E qual é o escritor que produz coisas parecidas contigo? E por que cise literária? o curioso do futuro.

L. Felipe Benites disse...

é a visão transcendental desse contador louco, ... Mas nem paraíso, nem morte, o negocio é fugir das leis da termodinâmica ;)