janeiro 12, 2006

- Por favor, desligue o carro e saia.

Pela cara do policial, pensei que ele iria me mandar colocar as duas mãos sobre o capô.

- Os documentos do veículo e a carteira de motorista.

O asfalto se transformou em gelatina. Ou meus braços e pernas tinham acabado de assumir a forma de uma batedeira. Tremedeira, tremedeira. Não me lembrava se o documento do carro estava na minha bolsa, assim como já esqueci a carteira de motorista várias vezes em casa.

- A senhorita sabe que estava andando com os faróis desligados? São quase nove horas da noite.

- Desculpa -, eu respondi.

Estendi os documentos. O braço direito esticado, balançava muito. Parecia que iria fugir e me deixar ali, em plena Av. Assis Brasil, sozinha.

- Desculpa -, eu falei novamente...

Na tentativa de evitar uma multa, esqueci da tática ensinada pelo pai: ligar a luz alta. Era a única forma de evitar que eles descobrissem que eu estava com o farol direito queimado. Irresponsavelmente queimado há três semanas... No desespero, desliguei tudo...

- Está escuro. A senhorita deve ligar o farol sempre.

Ele falava. Eu olhava a pistola. Ele falava. Eu tentava levantar os olhos, mas não conseguia.

- Ok... Desculpa.

Idiota. Eu não conseguia falar outra coisa. Desculpa, desculpinha, desculpão... Pensei que deveria começar a agir normalmente... Para não ser presa ou levar chumbo... Começava mal minha carreira como "Bandida dos faróis apagados".

- Abra o porta-malas, senhorita.

Abri. Ele prosseguiu:

- O que é isso?

- É um cabo de vassoura. O amortecedor da porta traseira está estragado há um ano. A porta não pára mais sozinha. E eu ainda não consegui trocar. Já bati a cabeça várias vezes...

- E isso aqui?

- É uma sacola. Com um envelope dentro. Eu ia mandar uma carta cor-de-rosa pelo correio. Mas desisti. Acabei esquecendo tudo aí. A pessoa nem fala mais comigo mesmo. Mandei um e-mail na semana passada...

- Ahã. Abra a porta da frente.

Abri.

- Preciso acender a luz?

Ele não me respondeu. Abaixou o corpo e começou a remexer nas coisas que estavam atrás do banco.

- O que é isso?

- Minha mochila do yoga. Faço duas vezes por semana, com uma professora bem bacana e querida. Aí dentro tenho uma calça, daquelas com cintura especial. Sabe? Para todo o alongamento e tal. E uma blusa, bem básica... Fica muito quente quando a gente faz exercício assim no...

- E isso?

- Outra sacola. Mas cheia de coisas... Eu lavei o carro no dia 08 de dezembro, e eles colocaram todas as minhas coisas dentro dessa sacola. Sabe? Brindes, folhetos, santinhos... Eu tenho alguns santinhos no carro. Tem outros dentro do porta-luva. Quer olhar?

- Pode ir embora. Isso tudo é só um procedimento de rotina.

- Mas não quer olhar o banco da frente?

- Pode ir. E não esqueça de ligar os faróis...

Olhei em volta. Meu carro era o único parado na barreira policial. Pensei em todos os assuntos que poderia falar com o pessoal. Música, viagens, literatura... Ainda nem tinha contado para eles que lancei um livro em dezembro.

Mas minha tática de enrolar o policial até as primeiras luzes da manhã não funcionou. Ele me mandou embora uma última vez. Parecia mais zangado do que no momento em que pediu que eu descesse do carro. Então, eu fui. E tive que ligar os faróis na frente de dez guardas... Um farol ligado. O outro desligado. Eu nem liguei. Continuei em transe. Fingindo que nada estava acontecendo. E rezando para que, algum dia, meu corpo parasse de chacoalhar.

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