agosto 06, 2006

A campainha tocou. Eram 11 da manhã. Domingão, chuva, trabalhos domésticos. Eu estava sozinha em casa. No susto, o copo ensaboado escorregou das luvas e foi bater numa xícara dentro da pia. Quebrou. Fechei a torneira e, na frente da porta, estiquei a ponta dos pés para enxergar o olho mágico. Tudo escuro. Pensei um pouco. Olhei de novo e enxerguei o vulto de alguém nem alto nem baixo. Eu ainda estava observando, quando a pessoa esticou o braço, acendeu a luz do corredor e tocou a campainha de novo. Puxa... Era a minha vizinha de cima. Apanhei a chave e abri a porta. Ainda cogitei: ela só poderia ter vindo reclamar do volume do meu som. Lavando louça e ouvindo Arcade Fire... Ah, maravilha interrompida. Deixei fechada a grade depois da porta, e apareci de luvas, descabelada, calça de abrigo e o meu blusão mais velho do universo inteiro. Ela nem esperou. Já foi sorrindo, mostrando o papel que estava na mão e perguntando pelo Mr. Flag. E eu só pensando: Mr. Flag me mata se souber que deixei ela entrar. Disse que ele não estava. E vi. Eva. Isso! Pelo papel, descobri que o nome da vizinha que faz péc, péc, péc com o sapato na minha cabeça, e plim, plim, plim com alguma outra coisa também em cima da minha cabeça é Eva. Eva Regina. E sem Adão ou pudor, ela passou a me contar sobre sua paixão pelo Internacional, como ela estava feliz, que o Inter ganharia a Libertadores, blá, blá, blá... Perguntou se eu tinha computador. Respondi que não. Menti para a Dona Eva. Mas disse que não se preocupasse. Eu mandaria a belíssima frase dela para a promoção do ClicRBS. Poderia até revisar e fazer algumas correções, se ela permitisse. Permitiu, agradeceu, e com as duas mãos agarrando a grade, as bochechas quase encostando o ferro, ela ficou na ponta dos pés, como eu ficara antes, e pediu: abre aí, deixa eu entrar, quero conversar sobre o texto aí dentro, abre aí... Foi me dando um pavor. Sei que, desde 98, ela tenta sem sucesso entrar no nosso apartamento. Eu pensava na fúria doméstica do Mr. Flag, no meu domingo arruinado, no desejo ardente da dona Eva de conhecer a minha casa. E a câmera focou bem no meu rosto, e eu fiquei com aquela cara de fim de capítulo de novela no sábado, e a trilha sonora aumentando, e os créditos subindo...

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