Eu tenho vizinhos. E como não tê-los? Alguns são fofos. Minha vizinha do lado esquerdo acorda em Buenos Aires todos os domingos. Ela e os seus maravilhosos tangos. Meus vizinhos do lado direito são tantos que eu acredito que, a cada semana, alguém diferente mora ali. No térreo, a Dona Lúcia me apresenta às flores do jardim todos os dias. E uma outra ilustre e distinta senhora do segundo andar me lança olhares de ódio pois ela acredita que eu é que odeio o animal de estimação dela. Pobre cachorrinha. Mesmo considerando a personalidade e os hábitos de cada um, nada supera o mistério que envolve a vizinha do apartamento superior ao meu. Durante mais de um ano, se comportou como um fantasma. Eu sabia que ela estava lá, mas, às vezes, suspeitava de um certo dom de flutuar dos seus pés. Ela ficava lá, fazendo doces de figo, pêra e abóbora. Eu ficava aqui, assistindo tevê, lendo meus livros e ouvindo música. Passamos verão, outono, inverno e primavera. E, aí, tudo mudou. Fiquei mais de um mês sem encontrá-la pelo prédio. E, de repente, eis que surge um salto alto. "Péc, péc, péc, péc". Por toda a casa. Por toda a noite. Desde às 7 da matina "Péc, péc, péc, péc" bem na minha cabeça. Tinha duas alternativas. Imaginar que ela, de namorado novo, abandonara as pantufas e os pijamas coloridos. Ou ter a certeza absoluta de que ela fôra seqüestrada por uma mulher de cabelo chanel, levemente encaracolados, salto agulha, bico fino e chicote afiado. Porque todas as mulheres más são assim mesmo... E descobri o impossível: externando a idéia sobre a vizinha, os acontecimentos cessavam. "Mr. Flag, está ouvindo esse barulho?". Não estava. E o salto parou, o terror aumentou e a curiosidade quase me matou. Nos quatro meses seguintes, ela acompanhou minha rotina pela casa. Se eu estava na cozinha, lá ia ela e começava: "Plic, plic, plic, plic-plic". Como centenas de parafusos batendo no chão e quicando um pouco. "Ah, deve estar arrumando algo em casa..." Mas toda a noite? Com todos esses parafusos? Um milhão de parafusos fazendo "plic, plic, plic" bem na minha cabeça. Aí falei. Pra alguém. E parou. E digo: tenho certeza que, depois, começou a espalmar o chão. Forte. "Plát, plát, plát, plát". Uma mãozona na direção da cerâmica. Às vezes, eu mal ouvia a tevê. As palmadas aumentaram. E cessaram por alguns dias. Hoje, enquanto escrevo, ela está correndo pela casa, e jogando coisas num canto da sala. Instrumentos pesados, eu acho. Acho, inclusive, que está batendo mais forte dessa vez. Estranho. Ouço mais barulho. Acho que aquilo ali no teto é um buraco. Isso aqui no chão são pedaços de concreto. Estranho... Poderia jurar que, daqui onde estou, enxergo um salto envernizado...
maio 04, 2006
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