dezembro 09, 2002

UM HOMEM FELIZ

"Um dia desses tomei um táxi e acendi um cigarro. Ao primeiro sinal de parada de luz vermelha, o chofer me disse:
– A senhora quer ter a gentileza de me emprestar seus fósforos?
Estendi-lhe a caixa, e quando a devolveu, antes que ele dissesse alguma coisa, falei distraidamente por hábito:
– De nada.
E ele:
– Eu ainda não tinha agradecido. Por que é que a senhora disse "de nada"?
– Ah, não tem importância.
– Me desculpe, mas tem importância. A senhora deveria ter esperado que eu dissesse "muito obrigado" e depois é que a senhora ia responder "de nada".
– Não importa, disse eu um pouco surpreendida.
Mas importava sim. Seu tom, ao ter falado, era o de um homem que defende leis que foram violadas. Era como se ele tivesse caído em terreno perigoso. Olhei-o melhor: e vi quanto aquele homem era pouco livre e como ele precisava sentir-se preso, e aos outros também. Tentei então um doçura que o suavizasse, e, mais pela entonação de voz que por meio das palavras, eu lhe disse:
– De verdade, moço, não tem mesmo importância...
Mas ele insistiu duro:
– De outra vez a senhora espere que lhe agradeçam.
Nada mais havia a fazer., além do que eu também estava um pouco irritada. Até o fim da corrida não dissemos mais nada. E se há um silêncio mudo era aquele."

Eu adoro ela.

Clarice Lispector (A Descoberta do Mundo).

e50kg@yahoo.com

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