Lá estava indo eu. Em direção à Assis Brasil, pronta para trabalhar em mais um dia de Feira do Livro. Ventava muito, e meu cabelo (ajeitado previamente com o secador e minha cera com cheirinho de laranja) parecia uma peruca descontrolada. Imaginem a cena: carregando duas bolsas, vestida de pingüim, com uma muli de salto alto, tropeçando e virando o pé a cada dez passos. Descendo a ladeira, prontinha para um tombo. As forças da gravidade acabaram não afetando minha trajetória. Chegando na avenida, tive que suportar a maratona de lotações cheias, motoristas fazendo aquele sinal que eu, realmente, não aceito... Após 15 minutos, vinda de uma direção iluminada pelo sol da manhã, surge a lotação perfeita. Vazia, motorista com cara de cordialidade e com chegada prevista em tempo no Centro (em tempo de evitar minha demissão). A porta pára bem na minha frente... Vamos, agora é só entrar... Coloco o primeiro pé no degrau, e quando coloco o segundo, minha muli pula instintivamente para fora do meu pé, vai rolando pela escadinha e aterrissa na avenida, junto à calçada. "Ela perdeu o sapato!!!" "Olha ali o pé dela!" "Bah!!!!" "Ohhhhhh!". Não tive dúvidas. Acomodei gentilmente minhas coisas no primeiro banco. E desci as escadas, completamente manca, para apanhar meu sapato, em plena rua. Sentindo a sujeira na planta do pé... Certamente deveria estar preto, combinando plenamente com a minha face vermelha e os olhos pequeninos de vergonha.
E por que esta história justo agora? Pensei que poderia ir novamente até a Assis Brasil, se tivesse deixado o calçado lá. E encontraria meu sapato, cheio de pó e no meio do lixo... Como um reencontro, uma nova chance, de que ele me perdoasse a falta de firmeza nos pés... Na realidade, também pensei que o acontecimento poderia ser um aviso... Para que me livrasse daquele par de sapatos. Não fiz isto. Tenho, até hoje, duas cicatrizes na lateral do pé, provocadas pela muli, depois de tantos quilômetros rodados na feira... E será que isto é outro tipo de aviso? Na realidade, pensei também outra coisa. Que estou com muita saudade de andar descalça na terra, na grama, na areia. Subindo em árvores, comendo a fruta direto do pé, fazendo comidinhas deliciosas com lama, nadando no rio, na cachoeira, empurrando o balanço muito forte para poder voar e subir no topo do eucalipto mais alto... Sapatos para quê? Fui uma criança feliz. Definitivamente. Quero que a minha criança seja feliz.
e50kg@yahoo.com
janeiro 17, 2003
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